sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Sementes


"Que a terra me floresça nas ações
como no ouro suculento das vinhas,
que perfume a dor de minhas canções
como um fruto esquecido na campina."
Pablo Neruda











terça-feira, 14 de outubro de 2014

Para onde vai?

por Luci Lahr


Percorrer longo caminho sem obter resultado pode ser motivo de desânimo para muita gente


Foto: Beato Ten Prenafeta (Califórnia-USA)

As facilidades do mundo atual sugerem que só não alcança o sucesso aquele que não luta por seus ideais. Uma vez que as ferramentas existam, haja oportunidade para usá-las, ou mesmo haja conhecimento e maturidade para lutar por ideais, basta percorrer o caminho para chegar lá. Certo? Nem tanto.

As questões principais são: quais são os resultados desejados? qual é o ponto de chegada? 


Tem uma frase atribuída a Sêneca que diz que "Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável". De fato, nem na vida pessoal, nem mesmo na profissional, se não houver clareza de desejos e de resultados esperados, a jornada poderá ser árdua, desgastante e infinita.


A foto de Beato Ten Prenafeta é na Califórnia-USA, e foi realizada em uma parada de descanso na viagem. Peculiaridade desta foto: Beato sabia para onde ía.

Beato Ten Prenafeta é fotógrafo, artista plástico e iluminador teatral respeitado. Respira cultura e vive dela.

domingo, 24 de março de 2013

Gente rara

por Luci Lahr

Os passos largos em uma rua de bairro pouco conhecido, talvez não permitissem visualizar um pequeno comércio se não fossem produtos expostos e uma placa que me chamou a atenção. Fui fisgada pelas informações e entrei.

No interior da loja, barbantes e linhas de diversas texturas compunham uma prateleira organizada e limpa, típica de comerciante caprichoso. As cores dançavam e se mesclavam em perfeita harmonia.

Enquanto observava os produtos expostos, aproximou-se uma garota que se colocou à disposição para ajudar. Pedi para ver um rolo de barbantes de uma marca já conhecida, e não esperava por uma sequência de atitudes típicas do atendimento impecável. A atendente se preocupou com a minha necessidade para entender como ela conduziria a venda. Foi ágil, inteligente. Fiquei impressionada com a atitude, e permiti que continuasse.

- Nós temos também este produto, de qualidade similar, mas com maior variedade de cores, que permite fazer trabalhos diferenciados, como pode ver neste catálogo  - acrescentou.

De fato, era algo diferenciado, bonito, de bom gosto.

Enquanto ela falava, observava a postura daquela garota muito jovem, tão gentil e tão inteira em sua profissão. Vestia uma roupa simples que permitia que a sua atenção e simpatia se destacassem. Os olhos brilhavam e demonstravam que realmente ela acreditava naquilo que dizia. Algo raro.

Soube ainda que havia cursos no local para trabalhos manuais e a possibilidade da compra de material para as aulas que aconteciam ali. Serviço completo de atendimento em no máximo cinco minutos. Impressionante.

Mercadoria de boa qualidade, preço compatível com o mercado, produto em mãos, sai da loja muito feliz pelo atendimento que recebi.

Com certeza a necessidade tornou-me mais atenta e com percepção mais aguçada em relação à existência da loja em um local não comum para mim. Por outro lado a pequena placa de comunicação e a exposição harmoniosa da mercadoria foram decisivas para atraírem meu olhar. Algo tão simples que até grandes empresas pecam por essa ausência ou pelo excesso.

Os produtos diferenciados e mais coloridos permaneceram na loja. Não me inscrevi em cursos, tampouco comprei materiais para outros trabalhos manuais. Entretanto trouxe comigo uma série de informações que oportunamente poderei vender gratuitamente para outras pessoas. É o que chamamos de marketing de boca-a-boca. Além disso, guardo nitidamente em minha memória detalhes da localização da loja, fruto da experiência positiva que tive naquele local.

Quem dera tivéssemos oportunidade de repetir com frequência experiências tão positivas em comércio. E a garota, ela ganhou o meu respeito, gente rara, diria, em extinção no mercado.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sem dores nas costas

por Luci Lahr

para Alda, nascida Habermann, no Matão

Em um vilarejo morava uma senhora muito habilidosa em sua profissão. Caprichosa nos detalhes e muito persistente em seu trabalho, fazia do plantio de hortaliças a sua arte.

Apesar de toda a sua experiência, ela não obtinha sucesso com um determinado tipo de planta. Fizera inúmeras tentativas de plantio, rega, local, tipo de terra, luminosidade, sem atingir o êxito desejado. Desistir jamais, esse era o seu lema.

Um certo dia, enquanto preparava novamente um canteiro para transplantar a hortaliça resistente à adaptação, aproximou-se dela uma senhora de aparência muito humilde, que teve a percepção da dificuldade e da indignação da profissional por aquela falta de êxito. Com naturalidade sábia, a senhora sugeriu uma simpatia inédita para o problema enfrentado.

- Plante a hortaliça no local desejado, e a partir da noite de hoje você deverá dormir diretamente sobre o estrado de sua cama - aconselhou a senhora.

A profissional passou a seguir à risca os conselhos recebidos, entretanto a cada dia a hortaliça definhava e dores nas costas passaram a ser frequentes.

Após um mês trabalhando de sol a sol, com intensas dores nas costas, a profissional teve a oportunidade de compartilhar com a sábia senhora o fracasso da simpatia. E mais uma vez teve um conselho:

- Você investiu meses no plantio dessa hortaliça sem ober sucesso, hoje faz um mês que tem dores nas costas, e até agora você não conseguiu se adaptar ao estrado de sua cama. Durante esses meses todos aconteceu o mesmo com a sua hortaliça. Saiba distinguir persistência de teimosia - finalizou a sábia.

A situação descrita acima pode gerar uma série de interpretações e questionamentos, e faço alguns aqui. Quantas vezes insistimos em uma situação, até mesmo por capricho, e deixamos de fazer outras por não conseguir visualizar a proporção do problema que enfrentamos? Quantos filhos são obrigados a fazerem atividades que seus pais desejam, sem terem habilidade para um determinado esporte ou profissão? Nas empresas, quantos gestores têm dificuldades em administrar situações em que o colaborador não tem habilidade ou não se adapta a um determinado trabalho? E assim, tantos outros questionamentos que podemos fazer.

Se ficarmos mais atentos ao ambiente, abrirmos nossos polos de percepção e utilizarmos a fabulosa intuição, certamente pouparemos tempo e vidas. E poderemos viver melhor, com menos teimosia, e sem dores nas costas.

terça-feira, 27 de março de 2012

Muito além de taças coloridas

por Luci Lahr

O local era tranquilo e muito bem organizado. Ambientação perfeita, com luzes direcionadas, mesas bem postas e os sorvetes deliciosamente expostos nos balcões refrigerados. Uma sorveteria que prometia muito, apenas pelo visual.

Atrás dos balcões era possível observar uma estante de vidro que completava com chave de ouro a ambientação. Eram taças muito coloridas, com texturas e formatos diferenciados, e saltavam aos olhos da clientela. Os recipientes se tornavam argumentos de venda.

O atendimento cordial e correto se destacava dentre aqueles outros estabelecimentos enfrentados no decorrer de um dia cansativo e calorento.

- Algo para beber, senhora?
- Sim, por favor, uma água - respondeu uma cliente idosa acompanhada por sua amiga.

Em poucos instantes todo equilíbrio do atendimento entrou em declínio súbito. Um jovem casal e uma linda criança recém chegados não só roubaram a cena, como também toda a atenção dos atendentes. As senhorinhas permaneceram ali por longo tempo, na expectativa das lindíssimas taças coloridas, dos sorvetes refrescantes, e da água na temperatura desejada.

A situação descrita acima leva-me a pensar nos atendimentos diferenciados dos estabelecimentos comerciais. Na ansiedade por oferecer atendimento exclusivo a um cliente especial, são cometidos deslizes imperdoáveis com outros clientes não menos importantes, e potenciais a cativos.

A preparação de equipes para atendimento de qualidade não é fácil, demanda muita energia e tempo, e exige consciência de cada pessoa envolvida no processo para que tudo transcorra de maneira harmoniosa.

Ter uma equipe consciente de seu papel no atendimento, com atitudes simples e memoráveis aos olhos dos clientes é tarefa mais do que árdua, e faz a diferença no mundo dos negócios, sobretudo no varejo e prestação de serviços.

A gestão de relacionamento com o cliente deve ser cuidadosamente pensada para que atitudes diferenciadas não fiquem restritas a supostos clientes especiais, e assim que se evitem constrangimentos aos demais clientes que aguardam um mínimo de reconhecimento pela preferência e ida ao estabelecimento comercial.

A concorrência está cada dia mais acirrada, e a cortesia natural, equilibrada e sob medida a todos os clientes que ali estiverem é determinante, algo que transcende lindas taças coloridas.



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

E quando o sapo mugir?

por Luci Lahr

O boi muge, a abelha zumbe e o sapo coaxa. Sons da natureza e cantos de animais que nos remetem a situações de paz e tranquilidade.

Aberrações da natureza à parte, e longe de discussões infinitas sobre o Darwinismo, o que fazer quando um sapo mugir?

Essa é uma analogia que estabeleço aqui para evidenciarmos contextos em que estamos acostumados com o padrão, mas que de repente, tudo o que pensávamos que fosse o convencional e esperado, deixa de existir ou acontece às avessas.

Desde muito pequenos somos educados e induzidos aos padrões, e assim crescemos e nos desenvolvemos em uma expectativa de situações sob controle: família, amigos, escola e toda uma sociedade nos impulsionam para um padrão de comportamento. Entretanto, os sons da natureza, queiramos ou não, eles se mesclarão.

No âmbito das empresas, a situação não é menos complexa, uma vez que muitos dos padrões de procedimentos são estabelecidos na perspectiva do mundo perfeito. São normas descritas para que funcionem diante do SIM. Mas, e a contingência?

Vivenciei inúmeras situações constrangedoras em meu cotidiano que deixaram evidente a falta de preparo das empresas e de seus colaboradores para enfrentarem momentos que fogem do padrão. E a solução em muitos dos casos seria  muito simples: bastaria uma atitude de ouvir e entender a necessidade do cliente.

O preparo de uma equipe para a contingência pode ser iniciado com uma pergunta de baixa complexidade: O que pode sair de errado? A partir disso será bem mais fácil tomar uma atitude certeira quando um sapo resolver mugir.

Deixando o mundo empresarial de lado, e diante das mazelas da vida, eis uma outra pergunta:

E você, está preparado para ver e ouvir um sapo mugir?

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Retomada

por Luci Lahr

A pasta é simples, de material plástico, num azul inconfundível. Estava abandonada em um compartimento superior do armário. Para pegá-la era necessária uma pequena escada, dessas caseiras... ou uma cadeira com pés firmes também servia.

Faz alguns anos, talvez muitos anos, ela, a pasta, ficava mais acessível, ali, perto dos olhos e do coração. Nada de dificuldade, tudo simples, na mão.

Inúmeros eram os motivos para manusear essa pasta: felicidade, alegria, tristeza, angústia, saudade, novidade, nascimento, morte, namoro, faculdade, viagem, amor, casamento, trabalho, amizade. Era fácil, dava tempo, e fazia-se o tempo para abri-la.

Com o passar dos anos, a pasta recebeu um up grade. Subiu de patamar, e ficou escondida pelas alvas portas do armário, completamente livre de toda fuligem, poeira e desordem ambiental e emocional.

Um elástico frouxo pela ação do tempo prende timidamente as bordas da pasta que exala um quê de guardado. Nada tão ruim assim, se não fosse a falta de consciência do desprezo e do tempo que passou.

Ao abrir a pasta, é possível ver pequenas manchas amareladas sobre os papéis. Ação do tempo. Cartões, papéis, envelopes de vários tamanhos e cores. Os selos talvez tenham valor para os colecionadores, apenas. Cartões postais escritos e selados que um dia possam chegar ao seu destino com muita sorte e em tempo.

Dentro da mesma pasta, algo novo, de valor incalculável: um cartão e uma carta de aniversário. Eles foram encontrados recentemente e se destacaram em meio a uma farta correspondência contemporânea que se resume em boletos bancários conquistados pelo “sucesso” profissional e pessoal, em propagandas bem e mal elaboradas de pizzarias inventivas e de clínicas que prometem o corpo escultural e perfeito.

O cartão de aniversário é muito especial, feito à mão em uma cartolina, e exala carinho. Simples e lindo ao mesmo tempo, e está carregado de palavras sinceras,- coisa antiga e ultrapassada, diria um jovem internauta. A carta em papel de agenda, de um lado traz os mesmos dizeres de um cartão de aniversário enviado em 1985. Nessa, as palavras assumem uma voz interior de luta, constância, superioridade de ânimo e fé, e são reforçadas na outra face do papel de agenda pelo desejo sincero de felicidade, saúde e paz.

Escrever hoje não é fácil, nem mesmo que seja para as pessoas queridas. Requer tempo precioso... minutos que podem ser utilizados para telefonemas, fechamentos de negócios, respostas e leituras de muitos e-mails, talvez uns trinta terminados com os clássicos “abc”. Por economia e aproveitamento do tempo, até mesmo o braço do “c cedilha” deixou de existir.

Uma pena que o tempo economizado nos pseudos-abraços não seja aproveitado para atitudes simples e de valor inestimável. São aquelas atitudes impossíveis de delegar. Uma carta, por exemplo, pode representar muito para quem a recebe. Um telefonema, com palavras sinceras, pode modificar o dia de alguém. Uma visita mesmo que rápida, acompanhada por um abraço verdadeiro, pode assumir um significado imenso para uma pessoa querida.

O tempo passa tão rápido. As crianças crescem de uma hora para outra, os entes queridos envelhecem, e o papel cada dia mais amarelo, dentro do compartimento alvo e superior de um armário. Papéis desprovidos de quaisquer dizeres.

O alento é a tomada de consciência. A pasta já saiu do armário, está bem à vista. A qualquer momento uma correspondência será escrita, selada e enviada, mas no mesmo papel amarelado pelo tempo, com pequenas manchas e leve odor de guardado. Quem receber a carta ficará tão feliz, que sentirá o cheiro de flores do campo. Sim, flores do campo, pois no campo é o local onde é possível encontrar as coisas mais simples, que de tão simples têm o gosto daquilo que vale a pena na vida.
O conteúdo da pasta é muito simples. A sofisticação fica por conta de atitude e palavras.